Da importância de Sociologia e Filosofia no Ensino Médio



Há exatos dois anos escrevi este texto. O que mudou?


A tendência política dos últimos governos tem seguido no sentido da retirada, do esmaecimento ou da diluição destes saberes. Ouvimos da boca da própria presidente Dilma, entre 2013-14, uma proposta não concretizada de reforma do ensino médio em que uma das alterações seria a diminuição das “doze matérias” começando por filosofia e sociologia, citadas nominalmente. Seu vice, outrora aliado, agora suposto algoz, Temer, fez a tal reforma. Tentou de todos os modos demoníacos retirar filosofia, sociologia, artes e educação física, porém esbarrou na sacralidade das leis e, por fim, criou um sarapatel que ninguém sabe com precisão como funcionará. 

Ok. Não há outra coisa a se esperar dos tecno-burocratas do ensino. Coisa bem diferente, diametralmente oposta, se passa entre a comunidade escolar formada por professores, coordenadores, diretores e demais profissionais da escola, correto? Errado! Fala-se de maneira abstrata da importância de sociologia e filosofia, mas questiono: qual é o tamanho desta importância? É importante ao ponto apenas de figurar entre as disciplinas do currículo comum ou é importante ter tempo e espaço necessários para cumprir àquilo que se propõe? Resumindo, é mais importante do que matemática? “Não! Você está louco?” Quão menos importante é? “Umas cinco vezes menos importante, de acordo com nossa grade horária”. Ah sim, entendi. Então vou aqui escrever por que estas disciplinas são importantes partindo de breves impressões pessoais e profissionais, me centrarei nestes últimos 18 meses lecionando sociologia no ensino médio. Aproveito para responder ao professor que disse não ver sentido na existência de sociologia. 

“Sociologia é para pensar criticamente”. Lugar-comum em todas as ementas. Mas o que é pensar criticamente? É ser chato para caraleo? É levantar polêmicas na ceia de natal da família? É dar barraco quando sua tia resolver doar vários dinheiros para o pastor (digo, igreja)? Não. Pelo menos não necessariamente. Pensar criticamente é difícil. Às vezes dói. Às vezes traz angústia. Kant diz algo sobre como buscar o esclarecimento é uma escolha, propulsora e necessária à autonomia, a não viver refém da tutela alheia. Habitar ou sair da caverna é de responsabilidade pessoal. Por isso professores de filosofia e sociologia não ensinam a pensar criticamente. Isso é besteira. O que podem fazer é incitar a tal. Incentivar. Sinalizar alguns caminhos (por vezes com neon). Apresentar uns caras que tentaram e suas ferramentas. Ademais pensar criticamente é compreender a realidade. Pesquisar e localizar o sentido de cada coisa produzida pelas culturas e sociedades, tudo o que está para além dos instintos. Mas não é um sentido tão aparente que qualquer um possa enxergar lendo o jornal, assistindo Ana Maria Braga, fazendo meia-hora de exercícios ou compartilhando memes do Quebrando o Tabu. Eu diria que é um sentido mais profundo, quase inaudível. Pensar criticamente é difícil também porque não é instantâneo. Nem algo que se entrega pronto caso o estudante não consiga fazer. São indagações e questionamentos com potencial de germinação e amadurecimento somente muito tempo depois. Ao contrário de visualizar só o lado negativo das coisas, pensar criticamente é conhecer os limites e possibilidades destas. E depois disso, ficarei rico? Bonito? Famoso? Vou descobrir todas as verdades do mundo? Faremos a revolução do campesinato? Sinto em decepcionar, a resposta é não. Você se tornará apenas uma pessoa mais racional e mais autônoma, quiçá menos embrutecida e menos fechada em um único modo de pensar e viver. Porém não há “depois”. Pensar criticamente é um processo cujo fim é o meio. 

Penso que seja importante então oportunizar este exercício no ensino médio porque ali está a adolescência, o berçário das ideias inovadoras. Sim, nesta fase de descoberta de si e do mundo, de curiosidade e de angústia, as primeiras crises de subjetividade. Fase em que não possuem a suposta ingenuidade de uma criança sobre o real, mas também não estão resignados ou apegados às convicções e hábitos de um adulto. Sendo assim nada melhor do que apresentar visões e perspectivas distintas de mundo que, aliás, poderão nortear toda uma existência. Não é questão, portanto, de gostar ou desgostar da sociologia e da filosofia. Os temas destes saberes servem para interpelá-los, chamá-los a atenção para o que antes não viam ou o que viam de uma forma diferente. Geralmente é para incomodar mesmo, causar discordância. Óbvio, não se trata de doutrinação, como alguns completos desconhecedores de uma sala de aula querem transmitir à população. Trata-se de expor formas de pensar, agir e sentir diferentes do modo corrente ou vistos por outros ângulos. Afinal uma visão do status quo, sem profundidade ou reflexão, as pessoas já possuem todo o dia ao ligar a TV ou acessar qualquer mídia de massa. Nesse convite temporário ao anti-fluxo, interessa-nos é saber como a realidade que independe da natureza foi construída. 

Para tanto os autores são importantes. No caso da sociologia, destacaria os clássicos Durkheim, Weber e Marx em suas teses e principais conceitos, ferramentas de análise sobre a cultura, a política e a economia que inaugurarão matrizes de pensamento, legando inspiração e crítica a autores das próximas gerações. Os contemporâneos Simmel, Elias, Bourdieu, Becker, Giddens e Bauman cujas contribuições são essenciais para pensar a cultural ocidental nos séculos 20 e 21. Para focar na sociedade brasileira, mencionaria alguns caras do pensamento social considerados clássicos nacionais em diversas áreas, como Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Júnior, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes e Victor Nunes Leal para expor as entranhas do Brasil, a formação colonial e suas heranças e consequências, como o patrimonialismo, o racismo, o patriarcalismo, a dependência econômica, o sistema fundiário, os problemas vivenciados pelos povos indígenas, o coronelismo, o autoritarismo, etc. Mais do que isso, à luz destes autores citados, discussões que envolvam as várias instituições sociais (Estado, família, igreja, escola, gênero, trabalho, etc.) e os processos de socialização, tanto do ponto de vista teórico geral, quanto da realidade atual. 

Por outro lado, podemos justificar a importância da sociologia e da filosofia de maneira mais pragmática (pró-fluxo) envolvendo o ENEM na conversa. “Mas como, se cobram no máximo umas 15 questões destas disciplinas na prova. Enquanto matemática são 45!” Concordo. Entretanto, estou me referindo à redação do ENEM. Ou seja, 50% da nota total de uma prova que vai decidir o ingresso ou não do aluno em universidades públicas. Sabe-se que quem ensina as regras formais de um texto (dissertativo-argumentativo, no caso do ENEM) é a matéria de língua portuguesa. “Ufa! Estamos salvos pois são cinco aulas por semana de português”. São sim. Todavia nestas cinco aulinhas há gramática, interpretação de texto, literatura e redação. Sinceramente sobra pouco tempo para “produção de textos”. Além do mais, a disciplina até pode ensinar, sim, as regras formais e as técnicas para se escrever, coesão, coerência, pontuação, sintaxe, mas quem preenche de conteúdo fundamentado são os patinhos feios do ensino médio: sociologia, história, geografia, filosofia e artes. Porque o tema sempre é de cunho histórico-social. Sem tais saberes, caímos basicamente no senso comum, profundo como um pires. Isto é, produção de textos é algo extremamente decisivo em um país que lê tão pouco e tão mal. Ora, por que não aproveitar a oportunidade que esta prova de competição nos traz? Pensando nisso, este ano, ao menos uma das avaliações dos três trimestres era uma redação com tema relativo à sociologia. Deu um trabalho lascado. Vi como as professoras de redação sofrem nessas correções. Mas valeu a pena. Notei sensível evolução nos textos dos alunos. E espero que tomem gosto pela coisa. 

Anteontem tive uma mostra em sala de como é importante saber e relacionar isso à sociedade para defender argumentos. Propus um júri-simulado a uma turma do 2º ano do curso técnico em Agropecuária cujo tema era “Uso de agrotóxicos/defensivos agrícolas no Brasil” (escolhido por eles e sorteado entre seis temas possíveis). Como leigo, se tivesse que discorrer sobre o assunto teria passado vergonha. Assisti e coordenei como juiz e aprendi a beça. Relacionaram o assunto à economia, as leis, a cultura e a sociedade. Após pedir que os grupos de advogados (a favor) e promotores (contra) saíssem da sala, verifiquei que os jurados estavam convictos de seu veredito final e, surpreso, indaguei do porquê então no Brasil utilizarmos tantos agrotóxicos se existem várias alternativas disponíveis de fácil uso ou ensino. Responderam-me que basicamente era uma questão de economizar gastos. Dinheiro. Uma das frases de acusação dos promotores foi: “vocês estão trocando a saúde pública por lucro”. Fim. 

Por isso afirmo, a sociologia é importante no ensino médio. Equivalente à matemática. Digo sem prejuízo. A sociologia é até mais importante do que a história (minha área de formação). Isto porque a sociologia impulsiona ainda mais a pensar criticamente do que a história, descreve os mecanismos e suas articulações através dos quais o mundo funciona, afinal as explicações que a história traz são das ciências sociais, da economia, da antropologia, da ciência política e da própria sociologia. O tempo não explica picirocas nenhuma. Alguém muito mais importante do que eu já disse isso. A sociologia é importante inclusive para apresentar um ponto de vista mais rigoroso e científico (se quiserem) a uma série de tolices que se escuta em sala de professores ou corredores de escolas, como “racismo contra brancos no Brasil” (racismo é algo histórico-estrutural de uma sociedade e não se manifesta somente em situações específicas e insignificantes, em episódios sem força social), “questionar naturalização de piadas machistas é mimimi” (não há manual de ética, o processo é dinâmico e está em constante transformação pois segue costumes, por sua vez, também modificáveis), “intervenção estatal na economia significa socialismo” (sim, isso mesmo, por isso durante o absolutismo/mercantilismo as terras e outros meios de produção eram socializados entre a nobreza, igreja e burguesia, oh céus), “há existência de mérito em condições desiguais de competição” (e é exatamente por isso que cursos de medicina em federais estão cheios de alunos moradores das favelas), “defender projeto de terceirização sendo a pessoa e o cônjuge servidores públicos há uns 15, 20 anos recebendo mais de doze salários mínimos por mês” (Estado-mínimo sim, mas só para os outros!) 

Agora, por fim. Se chegou aqui, desculpe-me pelo textão. Mas pense aí. Como é possível realizar tudo isso de maneira eficaz e didática possuindo apenas UMA AULA POR SEMANA. 

Repito, qual é a importância de Sociologia e Filosofia no Ensino Médio?

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