Solitário, o esquisito corre ao nada


Era um cara esquisito, o bairro estava descobrindo isso. Meticulosamente abriu sua carteira, nela só havia uns parcos tostões, insuficientes para o que ele almejava naquele dia. Apressado vestiu uma de suas roupas mais surradas. Colocou seu fone de ouvido que, apesar de branco, estava meio encardido devido à companhia contínua. A verdade é que este dispositivo trabalhava mais do que vendedor de água em carnaval de Cuiabá. Atravessou as portas como se fosse um fantasma. E também a rua, como se fosse o personagem de algum filme importante e dramático no momento em que alguma música soa mais alto do que a realidade fictícia. Feito Forest Gump, correu até o caixa eletrônico mais próximo de sua casa, uns 5km ou mais. Foi feliz no caminho. Os carros cortando o vento. As luzes dos postes passando rapidamente iam borrando e se derretendo conforme a imagem que suas vistas conseguiam reproduzir com as gotas de suor que caíam sobre seus olhos. O que lhe acometia era aquela felicidade do sentimento de liberdade ainda que ilusório e momentâneo, das coisas simples e cotidianas da vida, de simplesmente estar vivo. Sabia que navegar era preciso, mas em barcos que geralmente se chocam com o nada. Pois viver atormentado de sentido, essa sim é a parte mais pesada. 

Finalmente chegou ao seu destino inicial. Forçou a porta. Estava fechada. “Atendemos das 8h às 20h”. Já passava disso. Depois de segundos de decepção resolveu correr até o próximo caixa eletrônico. Dentro de um shopping. Talvez mais 5km, talvez mais. Não sabia o caminho mais próximo, apenas que havia um. Decidiu tomar o mais longo. Correu. Agora já impaciente. Simplesmente percorrendo burocraticamente pois odiava mudar de planos em cima da hora e a esta altura seu corpo apesar de esbelto dava sinais de cansaço. Entrou naquele lugar iluminado. Suando feito um pastor da Igreja Universal em dia de desencapetamento. As pessoas europeias bem vestidas o olhavam, quando olhavam, com receio e fazendo a egípcia. Foi ao banheiro. Lavou religiosamente as mãos e o rosto. Ele era uma ilha. Bem menor do que a Austrália, diga-se de passagem. Caminhou até o caixa eletrônico. Problema resolvido. Adentrou a praça de alimentação atravessando giselebundchemente todo o corredor, as mesas e cadeiras sem chamar atenção alguma daqueles vendedores de indulgências alimentares. Entrou na fila de uma franquia de fast food, pediu algo pouco saudável sob um molho gosmento com legumes em conserva que, segundo sua memória afetiva, muito lhe era aprazível. Nas mesas americanizadas casais e amigos se lambuzavam naquela comida cara e enlatada. Chamaram seu número. Ele pegou sua bandeja. Encheu seu copo de um líquido cheio de acidulantes, açucares e flavorizantes. Que delícia. Antes de dirigir à sua mesa, foi até o balcão e apanhou a coroa de papelão que ali se encontrava. Aclamado por ele próprio o rei de si mesmo, a colocou. Conduzido pelos guardas reais, isto é, os olhares de alhures, com sua bandeja sentou-se à mesa. Imponente. Coroado. De fato ele merecia toda a pompa, era seu aniversário. Foi aplaudido de pé efusivamente por seu povo, habitantes do continente Lobo Frontal. Comemorou. 

Neste dia ele só queria ser normal. Fracassou miseravelmente. Que bom.

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