O uso do termo "esquerdismo": problemas e princípios
“Esquerdismo”. A expressão, até onde sei, foi criada por Lênin num ensaio de 1920. Intitulado “Esquerdismo: a doença infantil do comunismo” vocês já podem imaginar qual é o teor que esse malucão da bala chita quis dar ao termo, né? Altamente pejorativo. Nesse ensaio aí Lênin ataca socialistas alemães, ingleses e russos que faziam uma oposição de esquerda ao Partido Comunista (Bolchevique) por conta de seus acordos espúrios com dirigentes políticos e setores conservadores, bem como devido a participações em esferas não-revolucionárias como parlamento e sindicatos reacionários. Para Lênin, tal crítica (diga-se: vinda de gente do mais alto garbo e elegância como Rosa Luxemburgo e de anarquistas) era nada mais do que infantilidade pequeno-burguesa. Colocando em termos atualíssimos, o marxista dizia que esta esquerda estava fazendo “o jogo da direita” e deixava as massas desorientadas e desprotegidas. Ou seja, acusava-os de fazerem exatamente o que o partido fazia. Enquanto os espartaquistas alemães vão falar que suas críticas são uma “oposição de princípio”, Lênin relativiza e defende uma “tática” necessária à revolução. Vai vendo. Sobre isso tenho duas coisinhas para falar.
[1] É incrível como a direita se apaixonou por esse termo do comunismo dogmático (que irônico hein!) para rotular qualquer posição que não seja a dela própria. Mas é pior ver que as esquerdas também o utilize com um sentido não-pejorativo, corrente (Zizek é só mais um). No Brasil isso virou uma praga pior que as do Egito (eu por exemplo preferiria uma chuva de gafanhotos no meu quintal do que gente gritando “bolsomito” a toda hora e me chamando de “esquerdista”). Se alguém pergunta para um ativista LGBT se ele defende o homossexualismo, naturalmente ele ficará ofendido sabendo se tratar de um termo pejorativo que visa menosprezar seus discursos e práticas. O que ele defende não é “homossexualismo”. Mas que a homossexualidade não sofra discriminações, que homossexuais tenham direitos e reconhecimento social como qualquer outra pessoa. Por isso se alguém me pergunta se sou “esquerdista” tenho cautela em responder ou rechaço logo de cara – por mais “neutra” que a pergunta possa parecer. Primeiro porque ninguém defende o “esquerdismo” (tem essa religião? Se tiver, tô fora). Defende-se princípios políticos e sociais a partir dos quais a sociedade seria um lugar melhor para se viver – igualzinho “a direita” faz; quero acreditar nisso, apesar do Pondé ter feito um livro com o título de “Contra um mundo melhor”. Segundo porque os próprios termos esquerda e direita são bem frágeis (sobretudo agora na Era do Vazio). São apenas recortes precários e provisórios da realidade que usamos intelectualmente para situar determinadas posições (e não necessariamente pessoas) e debater sobre tais (“debater” e “não bater”). Se ser de esquerda significa simplesmente defender PT, PCdoB, Ciro Gomes e etc., então não sou, não, obrigado e passe mais tarde. Há pautas que eu me posicionaria à direita, claro, dependendo da semântica política utilizada pelo interlocutor. Contigo pode ser diferente. Normal. Mas “esquerdismo” não dá, mals aê leninistas.
[2] Sou contra o uso do termo para uma discussão séria exatamente porque sou contra também ao leninismo. Lênin errou feio, errou rude naquela parada lá. O único bom acordo entre aqueles agentes de posições diametralmente opostas foi o Tratado de Brest-Litovski, feito pouco antes do fim da Primeira Guerra, para que a Rússia cuidasse de seus assuntos domésticos (this r-evolution, baby ♫). Talvez por se tratar nesse caso de uma pauta internacional. Mas de tanto acordo, tanta concessão e relativização, não exatamente a pessoas e grupos, mas a “princípios”, olha lá o que deu a União Soviética. “Ah, mas Stalin, foi culpa dele, era o mal”. Olha, sinceramente, Stalin foi um continuador conservador de Lênin (Zizek tem razão), os dois praticaram a heterodoxia de princípios para abraçarem a ortodoxia do poder. Coisa igual acontece com muitos. Falta de aviso não foi. Bakunin está lá desde a metade do século 19 falando isso para o titio Marx. Os meios influenciam diretamente o fim e o produzem, meu filho. Se quer realizar um objetivo nobre e justo, aja com nobreza e justiça. A liberdade, a igualdade e a fraternidade (olá liberais) não chegam através do autoritarismo e da mentira, porque elas não têm nada a ver com isso. Gostaria de ter um governo democrático, que respeitasse as etnias, os gêneros e as classes baixas e incentivasse a ciência e o ensino? Desculpe-me mas não vai ser através de um que nomeia latifundiários e fundamentalistas para ministérios, faz acordo com megacorporações e ventila milhões para banqueiros (independentemente se ele é rotulado de “esquerda” ou “direita”). E o que fazer então? Se não usarmos a tática do pragmatismo não teremos nada, pensam os herdeiros daquele Lênin de 1920. Olha, às vezes é melhor não ter, quer dizer, às vezes é melhor estar do lado dos que perderam. É mais ou menos como escreveu Darcy Ribeiro: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”. Façamos resistência aos vitoriosos. E adeus, Lênin!
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