MBL: farsa e incoerência com princípios liberais



MBL. Movimento Brasil Livre. Nome bonito, né? Infelizmente vazio de sentido. Na história deste país, pelo menos desde o momento em chamaram de “descobrimento” a invasão de um grande território cheio de moradores e riquezas, temos essa moda. Sim, essa moda que é não chamarmos a coisa pelo seu nome. Portanto no país do “Partido da Mulher Brasileira” mas que se diz antifeminista, do partido cujo nome é “Democratas” mas possui grileiros, coronéis e latifundiários, do “Partido Social Cristão” cujo principal membro, apesar de se dizer cristão, tece loas a torturadores, destila ódio aos diferentes e em nada lembra o tal Cristo, do “Partido dos Trabalhadores”, do projeto “Escola Sem Partido” e tantos outros nomes belos que apontam para coisas totalmente diversas e até opostas daquilo que seus nomes supostamente indicariam, não chega a ser espantoso, então, que o Movimento Brasil Livre não serve ao Brasil nem tampouco é livre. 

Este movimento surgiu como algo aparentemente espontâneo, lutando contra a corrupção, contra o favorecimento de empresas e grupos ligados ou amigos do governo, contra o aparelhamento do Estado. Dizendo-se totalmente apartidário, o MBL organizou protestos e manifestações no Brasil inteiro numa cruzada contra o governo petista. Incansável e repetidamente como um GIF, acusava manifestantes pró-PT ou até mesmo aqueles apenas contrários ao impeachment, de serem financiados, contratados, interesseiros. Vejam só. Tudo se tratava, esta acusação, de uma projeção de si mesmos. Ao cabo do processo de impeachment soube-se que as manifestações não eram lá completamente espontâneas. Grupos, entre os quais estava o MBL, foram incentivados e financiados por entidades patronais como a Fiesp e por partidos de oposição interessados no impeachment. Mais do que isso, quando alguém importante dizia que “esses caras do MBL só querem aparecer para se candidatarem nas próximas eleições”, eis que o grupo respondia ser apartidário e sem objetivo com eleições pois cansados da “velha política”. Bobo foi quem acreditou. No Brasil, sobretudo na política nacional, a palavra não serve para enunciar uma verdade, ela serve para provocar um efeito (como ensinava o nazista Joseph Goebbels). Nas últimas eleições, mais de quarenta membros do movimento se candidataram. Muitos, inclusive, naqueles velhos partidos que supostamente (também) se lutava contra: PSDB, DEM, PMDB, PSC e PPS; além do recém-fundado “Partido Novo”. Oito se elegeram. Quer dizer, não se trata de fiscalização cidadã sobre o exercício do poder representativo, mas de disputar e exercer esse poder do alto, gozar de cargos e privilégios que os políticos deste país têm. 

Calma que não terminei com a brincadeira de avizinhar palavras e coisas. 

O MBL se diz liberal. Vocês sabem que foram os liberais que inauguraram essa tradição moderna de se manifestar politicamente? A Revolução Francesa é uma revolução liberal. Direita e esquerda nascem no e para o liberalismo. O hino francês – La Marseillaise – era um canto revolucionário da época cuja letra convoca os verdadeiros cidadãos a pegarem em armas contra o partido do Rei. Antes de existir essa coisa de “esquerda”, “comunismo” e blá- blá-blá, um dos principais pais do liberalismo, John Locke, o mesmo defensor da propriedade que gostam de citar, escreveu um tratado defendendo o direito à rebelião. Resistir a um governo ilegítimo, é "ok" para Locke. Isso em 1689. Essa coisa é antiga! Vocês sabiam que foram os liberais quem primeiro asseguraram o direito à manifestação? Basta ler o segundo artigo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Pois é. Mas no país em que não se chama a coisa pelo nome, tudo fica ao contrário e temos que tomar cuidado com aqueles que sem nenhum pudor se apaixonam pelo poder. 

Ontem o MBL agiu como uma milícia de regime autoritário. O grupo tentou desocupar à força escolas do Paraná onde estudantes menores de idade se esforçam para mostrar que também são cidadãos, que também têm voz e direitos. Há relatos de agressões, insultos e ameaças. Visando desqualificar o adversário, “fascista” (assim como “comunista”) é um adjetivo muito usado nesse país em que palavras e coisas raramente coincidem. E o fascismo é, ao menos na teoria, o contrário do liberalismo no mínimo em dois quesitos: respeito às individualidades e direito à rebelião contra o governo ao qual se considera ilegítimo. Porém se esta ação do grupo MBL não se assemelha muito mais aos camisas-negras logo bem no início da ascensão do fascismo na Itália do que a tais aspectos liberais, então me ajudem porque devo estar sofrendo de sérios problemas cognitivos. Quer dizer, uma coisa é posicionar-se contra a ação dos estudantes, e até mesmo apoiar essa PEC horrorosa que não é desejada por quase nenhum agente da educação brasileira, tampouco pelo povo no geral (faz um plebiscito para ver!), outra é agir para impedir manifestantes retirando-os à força de um protesto. O ato foi tão grave que a polícia do Estado foi chamada para conter os membros do MBL. Eu disse A POLÍCIA. E conteve. 

Locke é um filósofo que, além de liberal, é chamado de “contratualista”. O mais interessante é que segundo este pensador, ao participar do pacto contratual sob um estado civil, o único direito que os indivíduos devem renunciar é justamente o de fazer justiça com as próprias mãos. Não preciso mais comparar palavras e coisas. Vocês já entenderam. Um grupo que não respeita nem o que defende não merece respeito é de ninguém.

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Texto escrito em 29 de out. 2016. O que mudou?

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