Passos e tropeços da ciência e da educação no Brasil: sobre cortes, Institutos Federais e futuros





Sobre educação, ciência e tecnologia não há oração e astronauta que dê jeito, minha gente. Sem investimento não tem avanço ou melhoria. Investir em educação significa projetar um futuro minimamente desejável para o país – seja lá qual corrente ideológica estiver na moda em quaisquer dos futuros possíveis. Não é para esse ponto que estamos caminhando.

Anteontem, 03 de abr., 2019, o governo Bolsonaro decretou corte de 42% no orçamento de ciência e tecnologia. Já estávamos capengando pelo menos desde 2013, Dilma, Temer, agora então... A área de pesquisa é a que mais sofre. Com esse corte estima-se que o dinheiro para pagamento de bolsas de pós-graduação acabará em julho. C'est fini. A importância das pesquisas em institutos e universidades, sobretudo na pós-graduação, é imensurável.

Sério. Coisas importantes sendo estudadas e descobertas como tratamentos e medicamentos para doenças endêmicas do Brasil ficarão no limbo. Trabalhos sobre produção de alimentos que só existem aqui, idem. Investigações sobre nossa sociedade, no presente e no passado, e que exigem trabalho de campo e de arquivo não terão mais vez. Estudos sobre o clima, sobre a biodiversidade do território, sobre o oceano e seres vivos que nele habitam e que nos circundam, necas. Com sorte virarão campo de pesquisa para outras nações (exclusivamente). É terrível pensar que nos tornaremos apenas e literalmente objetos de conhecimento, não sujeitos. Há tempos pesquisadores e cientistas têm deixado o país buscando melhores condições de vida e de trabalho, o chamado “êxodo de cérebros”. Sem investimentos, a imigração de inteligência aumentará. Patriotismo não os segurarão.

A educação formal é outra ameaçada. E aqui não falo a respeito da disputa de memória e esquecimento, nem sobre modelos de ensino. A questão crucial é, antes de tudo, sobre recursos e ausências. É claro e notório que a educação escolar do Brasil nunca foi exemplo para nenhum país. Desmintam-me se tiverem dados. Pois bem. Vamos pegar os rankings convencionais utilizados no formato liberal de mundo, que é o que a gente vive. O exame padrão de avaliação, de perguntas e respostas. Enfim. No último destes, aplicado em 2015 a estudantes do ensino médio de 72 países, o Brasil ficou na 63ª posição. A gente ficou atrás, por exemplo, de Argentina, Jordânia, Vietnã e da Moldávia. Vocês sabem onde fica a Moldávia? Eu não sei onde fica a Moldávia. Mas sou contra a gente ficar atrás da Moldávia!!! Nada contra a Moldávia, mas mano, perder para quem a gente não sabe nem onde mora, não dá. É demais.

Apesar disso. Apesar de tudo. Apesar de nossa primeira faculdade datar de 1808. Ou seja, 308 anos após a chegada do primeiro português (enquanto na América Hispânica universidade existia desde 1551). Apesar de o Estado brasileiro se preocupar com educação formal para a população somente a partir de 1931. Apesar de o índice de analfabetismo, em 1960, ainda estar beirando os 40%. Apesar de a expansão do acesso à escola durante os 21 anos de Regime Militar vir junto ao combo de salas mal aparelhadas, ausência de bibliotecas, salários incompatíveis com as jornadas de trabalho do professor, além, é claro, da desvalorização das humanidades e linguagens. Apesar dos pesares e para dizer que não falei das flores, os estudantes da rede federal se saíram muito bem naquele exame internacional. Foram gigantes. A média ficou acima à de alunos de alguns dos países “mais desenvolvidos”. No quesito ciência, por exemplo, ficaram à frente sabe de quem? Da Moldávia!!! Pois é, por essa vocês não esperavam. E não só. Também de Itália, e empataram com a Suíça. De maneira que se fossem um país independente, teriam ficado na 11ª posição e não na 63ª do Brasilzão.

Agora sendo mais específico, sobre os institutos em que trabalhei. Mesmo levando-se em consideração que o foco do ensino dos IF's não é exatamente preparação para o ENEM, peguemos a média do ranking das escolas em 2017 neste exame. Vem comigo. O Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM) ficou em 2º lugar em Uberaba, atrás apenas de uma escola privada, tradicional e cara. O Instituto Federal do Amapa (IFAP) ficou na 5ª posição em Macapá, por poucos pontos atrás de escolas privadas (algumas das quais com modelo diretamente voltado aos vestibulares). Pode parecer pouco aos olhos de quem conhece a realidade da educação de longe, mas, garanto, é muito. Para uma escola pública, o feito é significativo. Tanto que a próxima escola pública a aparecer na lista está na 12ª posição em Uberaba e na 14ª posição em Macapá. É a Escola Tiradentes, de modelo militar/militarizado que vem entusiasmando certa parcela da população. Hoje já se sabe que o investimento nas escolas militares é maior do que o das demais escolas públicas (estaduais e municipais), em alguns casos há contribuição direta dos pais, mensalidades, etc. Não se enganem. Desenvolvimento de inteligência não é (apenas) questão de disciplina e ordem. Sem investimento, no way.

A principiante qualidade dos Institutos Federais está diretamente associada a investimento e condições adequadas de trabalho aos profissionais. Não há segredo. Já trabalhei e estagiei em cada escola! Janelas e cadeiras quebradas, goteiras, quadros velhos e riscados, sem ventilação ou com ventiladores ameaçando nos degolar, falta de materiais de higiene, falta de materiais didáticos, falta de giz ou pincel, falta de papel para fabricar atividades, falta de tinta, falta de impressora, atraso de salário... “Ah, então você está dizendo que o IF é um reino encantado das escolas. É a pura Estocolmo tupiniquim...” Longe disso. Há problemas. Mas um pouco mais que o mínimo tem: recursos didáticos, condições salubres de ventilação e tempo para preparação de aula e de outras atividades (também pesquisa e extensão). O salário é digno (ponto!), por isso não é necessário acumular três cargos com 60 aulas por semana para conseguir pagar as contas do mês, como vi tantos colegas fazerem e se estressarem e adoecerem corpo e mente e desanimarem da educação.

E então, mês passado, o atual presidente declara em seu Twitter que o Brasil gasta muito de seu PIB em educação. Entre 5% a 6%, divididos de forma desigual para os três níveis (dos quais o ensino médio é o que menos recebe). Para um país “em desenvolvimento”, com o histórico que temos, de extensões continentais e cuja população é de 220 milhões, dos quais 40 milhões são estudantes do ensino básico na rede pública, onde somente 14% dos habitantes possuem uma graduação (no ano 2000 eram 4%) e mais da metade sequer concluiu o ensino médio, vocês acham que é muito? Quantos por cento se gasta pagando juros de dívida pública? Garanto que é mais.

Voltando aos IF’s, se esse modelo, com todos seus problemas, fosse expandido ao ensino básico do resto do país seria maravilhoso, uma utopia. Educação é investimento a longo prazo e melhores resultados estão por vir. Porque educação não é o que envolve exclusivamente à instituição escola. Saúde, alimentação, moradia e transporte são condições básicas, óbvio, sem as quais não é possível começar a aprender. Pierre Bourdieu associa outros inúmeros fatores ao desempenho escolar, sobretudo círculo social e família. Familiares ligados ao saber letrado inspiram os mais novos a desenvolverem cultura semelhante. Não é apenas incentivar falando, é mostrar fazendo, lendo, estudando, pesquisando. Se ensina pelo exemplo. As crianças imitam àqueles que amam. Quem sabe com a geração dos filhos de egressos dos IF’s tenhamos dados melhores. A nível de país, é necessário romper uma certa herança segundo a qual “a crise da educação no Brasil não é um fracasso, mas um projeto”. A iniciativa dos institutos está apenas começando, completou dez anos. O que são dez anos comparados a cinco séculos de história de descaso estrutural com a educação pública básica? Titubeantes, demos os primeiros passos. E já querem nos derrubar.
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Fontes: links estão em colorido no texto.

Comentários

  1. Caro Colega Munís, parabéns pela reflexão. Continuemos firmes na luta em prol dos IFs e da educação que acreditamos!!!

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