Nas portas da terceira guerra mundial: a Guerra Fria [Zizek]


"Na medida em que se pode reconstruir os fatos hoje, duas coisas se combinaram para facilitar o final feliz. A primeira foi o tato, os rituais de ignorância simulada por educação, caso se acredite nas recentes revelações. O golpe de gênio de Kennedy, fundamental para a solução da crise dos mísseis em Cuba, foi ter fingido que uma carta importantíssima não havia chegado ao seu destino, foi ter agido como se a carta não existisse – um estratagema que, naturalmente, só funcionou porque o remetente (Kruschev) dele participou. Em 26 de outubro de 1962, uma sexta-feira, uma carta de Kruschev a Kennedy confirmava a proposta feita anteriormente por intermediários: os mísseis seriam removidos, caso os Estados Unidos se comprometessem a não invadir Cuba. No sábado, 27 de outubro, antes da resposta norteamericana, chegou outra carta de Kruschev, mais dura e impertinente, acrescentando como condição a remoção dos mísseis norte-americanos da Turquia e sinalizando um possível golpe político na União Soviética. Às 20h05 do mesmo dia, Kennedy enviou uma resposta a Kruschev, informando que aceitava a proposta de 26 de outubro, isto é, agindo como se a carta de 27 de outubro não tivesse chegado. No domingo, 28 de outubro, Kennedy recebeu uma carta de Kruschev concordando com a negociação... A lição é que, em tais momentos de crise, quando o destino do mundo está na balança, salvar as aparências, manter a boa educação, perceber que se está “jogando um jogo”, importa mais do que nunca".                                

ZIZEK, Slavoj. Em defesa das causas perdidas. São Paulo: Boitempo, 2001, p. 184.

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