Correspondências na primeira modernidade [Paulo Miceli]
No dia 9 de
setembro de 1570, forças turcas conquistaram Nicósia, capital de Chipre. A notícia
da tomada da cidade só foi sabida em Constantinopla 15 dias depois, chegando a
Veneza a 26 de outubro e a Madri a 19 de dezembro, passados mais de três meses.
No ano seguinte, a 7 de outubro, uma grande armada, organizada por Espanha,
Veneza e Vaticano, derrotou os turcos em Lepanto, litoral da Grécia, naquela
que, em seu tempo, foi considerada uma das mais expressivas vitórias da
Cristandade sobre os otomanos, mas Veneza só soube do feito no dia 18; Nápoles,
no dia 24; Lyon, no dia 25 e Madri, apenas no último dia do mês.
Se as notícias
de acontecimentos espetaculares circulavam com tanta lentidão, não é difícil
imaginar o que acontecia com as comunicações cotidianas entre pessoas apartadas
pelos motivos mais variados, especialmente quando os grandes impérios
ultramarinos avançavam pelos mares da Terra. Alguns episódios que envolviam o
padre Matteo Ricci, estabelecido na China a 10 de setembro de 1583, ilustram
bem os difíceis caminhos que pessoas e notícias tinham de percorrer para
chegar, quando chegavam, a seu incerto destino. Por conhecer bem as
insuficiências dos correios marítimos, os padres da Companhia de Jesus em
missão no Oriente faziam duas cópias das cartas destinadas à Europa, mandando
uma pelo México, em navios espanhóis, outra nos barcos portugueses, que saíam de
Macau. Mas, a incerteza e a morosidade das comunicações tornavam inócua essa
precaução, como aconteceu com o superior de Ricci, padre Valignano, que teve de
esperar 17 anos para que sua carta expedida em Macau fosse entregue em Roma. E
não foram poucos os casos em que a correspondência, ao chegar, encontrou morto
o destinatário, como aconteceu em um episódio envolvendo a família do mesmo
Matteo Ricci. Treze anos depois de estabelecer-se na China, o jesuíta recebeu
por um amigo a notícia de que seu pai, o rico farmacêutico Giovanni Battista
Ricci, havia morrido na Itália. Ricci celebrou missas solenes em sua homenagem,
mas soube – nove anos depois – que o pai continuava vivo. Imediatamente,
escreveu a Giovanni uma carta calorosa, que só chegou à Europa quando Giovanni
estava, de fato, morto, o que Ricci acabou não sabendo, pois ao chegar ao
Oriente a notícia, agora verdadeira, da morte do pai, morto também estava
Matteo Ricci.
MICELI, Paulo.
História moderna. São Paulo: Contexto, 2016, p. 8.
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