Os visitantes indesejáveis: imigração na Grã-Bretanha e outras questões históricas

“Primeiro-ministro britânico fala em ‘praga’ de imigrantes e pretende endurecer regras”, diz notícia. O irônico é isso ocorrer na terra do “capitalismo que deu certo”, onde nasceu e escreveu Adam Smith. O filósofo do liberalismo que assentou esta doutrina sobre o princípio básico de livre circulação de pessoas (e os liberais formados no blog do Constantino ainda querem defender). Mas vai além. A ironia é elevada à enésima potência quando ingleses e britânicos em geral reclamam e se preocupam com “visitantes indesejáveis”. Questão histórica.

Talvez eles ainda não se considerem visitantes indesejáveis, mesmo quando:

No século 16, junto com outros europeus, invadiram muitas regiões africanas, trocaram ouro por conchinhas e transformaram o sistema cativo local num grande negócio de compra e venda de pessoas para trabalharem como máquinas. No século 18, o número de escravizados mandados para as colônias britânicas no Caribe chegou a 1.400.000. (Hoje ainda há narrativas que os colocam como heróis do abolicionismo, quando na verdade só queriam mesmo aumentar os lucros de seus negócios explorando de maneira mais eficiente).

Ou quando, em 1757, assassinaram o rei bengalês e expropriaram suas riquezas, fazendo da Índia um protetorado britânico. Décadas mais tarde, ao forçarem produtores locais a trabalharem em troca de remuneração pífia, foram responsáveis diretamente pela morte de dez milhões de pessoas. A situação piorou quando o domínio da companhia inglesa foi herdado pela própria rainha em 1877. Por volta de 40 milhões morreram de fome com medidas capitalistas como as que transformavam em latifúndios estrangeiros terras de agricultores locais, a sobretaxação e o envio de safras de produtos básicos para o Reino Unido. 

Ou quando, em 1882, bombardearam a Alexandria e ocuparam o Egito (sempre à força, claro), para dali extrair algodão e enriquecer suas indústrias têxteis, bem como tomar um lugar estratégico no comércio do Mediterrâneo. Até hoje múmias, relíquias e esculturas da antiga civilização egípcia, roubadas pela Inglaterra, estão em museus britânicos enchendo os bolsos dos conterrâneos de David Cameron.

Ou quando, diante da exigência do chefe Jaja de Opobo (África Ocidental) para regulamentar o comércio que faziam no Delta do Níger sem nenhum retorno ao povo africano, em 1887 o cônsul atraiu o chefe africano para um navio e o prendeu, logo depois o expedindo para Acra onde foi julgado (pelo quê?) e deportado para as Antilhas. Fatos semelhantes se passaram com outros líderes da região. É só abrir o livro de história.

Ou quando, em 1897, os britânicos equipados com metralhadoras Maxim invadiram o Benin, dizimaram boa parte da população, incendiaram a cidade e pilharam o bronze que lá havia.

No mesmo ano a National African Company atravessou o Ilorin e Nupe, no norte da atual Nigéria, matando e destruindo tudo o que tivesse na frente com granadas e canhões Whitworth. Tudo para derrotar uma poderosíssima força bélica munida de lanças, espadas, arco e flecha. Como foram bacanas!

Não vou citar todos os acontecimentos envolvendo “visitas indesejadas” dos britânicos porque senão editaria um novo “Guerra e Paz” aqui no facebook.

E agora aparecem falando que a imigração está causando problemas na Inglaterra? Ué, não foram os próprios britânicos que causaram “o problema” que é o estado do país dos outros hoje? Ou será que a riqueza da qual ostentam hoje não foi extraída muito às custas de suor, sangue e de terras dos ancestrais dos que agora pretendem expulsar?

Ora, por séculos os britânicos foram “a praga”, Sr. Primeiro-Ministro. A conta chegou. 


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