Rancière: representação, democracia e oligarquia

Podemos enumerar as regras que definem o mínimo necessário para um sistema representativo se declarar democrático: mandatos eleitorais curtos, não acumuláveis, não renováveis; monopólio dos representantes do povo sobre a elaboração das leis; proibição de que funcionários do Estado representem o povo; redução ao mínimo de campanha e gastos com campanha e controle da ingerência das potências econômicas nos processos eleitorais. Essas regras não têm nada de extravagante e, no passado, muitos pensadores ou legisladores, pouco inclinados ao amor irrefletido pelo povo, examinaram-nas atentamente como meios para garantir o equilíbrio de poderes, dissociar a representação da vontade geral da representação dos interesses particulares e evitar o que consideraram o pior dos governos: o governo dos que amam o poder e são hábeis em se assenhorar dele.

Contudo, basta enumerá-los hoje para provocar riso. E com toda razão, pois o que chamamos de democracia é um funcionamento estatal e governamental que é o exato contrário: eleitos eternos, que acumulam ou alternam funções municipais, estaduais, legislativas ou ministeriais, e veem a população como o elo fundamental da representação dos interesses locais; governos que fazem eles mesmos as leis; representantes do povo maciçamente formados em certa escola de administração; ministros ou assessores de ministros realocados em empresas públicas ou semipúblicas; partidos financiados por fraudes nos contratos públicos; empresários investindo uma quantidade colossal de dinheiro em busca de um mandato; donos de impérios midiáticos privados apoderando-se do império das mídias públicas por meio de suas funções públicas. Em resumo: apropriação da coisa pública por uma sólida aliança entre a oligarquia estatal e a econômica. De fato, essas formas de hiperconsumo dos empregos públicos não dizem respeito à democracia. Os males de que sofrem nossas “democracias” estão ligados em primeiro lugar ao apetite insaciável dos oligarcas.

Não vivemos em democracias.


RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. São Paulo: Boitempo, 2014, p. 92-94.

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