A encruzilhada: entre a trilha científica e a aventura dos nomes da História

“Walter Benjamin acusava não há muito a ciência da história de se dedicar, por sua própria teoria, a entregar interminavelmente o passado aos vencedores. Seguramente, as circunstâncias presentes não são em nada comparáveis às que provocaram os acentos desesperados de suas Teses sobre a filosofia da história. Mas esta impudica parvoíce com a qual se proclama hoje a abertura de um tempo de ora em diante sem história e entregue só ao desempenho dos ‘ganhadores’ deixa aparecer claramente uma alternativa: ou a história se dedica primeiro a consolidar seu reconhecimento ‘científico’ com o risco de liquidar sua própria aventura fornecendo à sociedade dos vencedores a enciclopédia de sua pré-história. Ou ela se interessa primeiro pela exploração dos múltiplos caminhos com cruzamentos imprevistos pelos quais podem ser apreendidas as formas da experiência do visível e do dizível que constituem a singularidade da época democrática e permitem também repensar outras épocas. Ela se interessa pelas formas de escrita que a tornam inteligível no entrelaçamento de seus tempos, na combinação dos números e das imagens, das palavras e dos emblemas. Ela adere para isto a sua própria fragilidade, ao poder que ela traz de seu parentesco vergonhoso com os fabricantes de histórias e os contadores de histórias. Um historiador lastimava recentemente a ‘crise de confiança’ introduzida em sua disciplina pelos rumores e os tumultos parasitas de ‘disciplinas adjacentes’ que gostariam de submetê-la ao império maléfico do texto e de sua desconstrução, à indistinção fatal do real e do imaginário. Concluir-se-á ao contrário: nada ameaça a história senão seu próprio cansaço relativamente ao tempo que a fez ou seu medo diante do que fez a matéria sensível de seu objeto: o tempo, as palavras e a morte. A história não tem que se proteger contra nenhuma invasão estrangeira. Ela tem somente necessidade de se reconciliar com seu próprio nome”.

RANCIÈRE, Jacques. Os nomes da história: um ensaio de poética do saber. São Paulo: EDUC/Pontes, 1994.

Imagem: Jacek Yerka

Comentários

Postagens mais visitadas