O atentado a Charlie Hebdo: pensar uma ética da diversidade




Pensando sobre a questão da liberdade de expressão recolocada pelo atentado a revista Charlie Hebdo, cheguei a este vídeo do Leandro Karnal em que apresenta uma proposta que, embora incorra em alguns paradoxos, me parece bem interessante para a ética da diversidade. Isto é, como exercer alguma alteridade e ao mesmo tempo não partir da ideia (ingênua) de que o mundo deva se tornar homogêneo, asséptico e abolir completamente qualquer tipo de conflito e divergência?

“Existe uma proposta de Francis Wolf em que ele faz a seguinte pergunta: “quem é bárbaro atual?”. A tendência grega tradicional era dizer “é bárbaro quem não fala grego”. Para o latino é bárbaro todo mundo que está fora do mundo romano. Para o chinês é bárbaro todo mundo que não seja chinês. O bárbaro era visto como não-civilizado. A proposta de Wolf é pensar que barbárie floresceu, no exemplo do nazismo, no país mais culto da Europa. O país que produziu tanta cultura formal sediou uma das experiências mais bárbaras do século 20 e um modelo de barbárie. Wolf diz que é bárbaro todo aquele que propõe com sua teoria a exclusão do outro. É civilizado, seja um índio ianomâmi ou um alemão todo aquele que propõe a aceitação da existência do outro. Então ele foge ao termo civilização e barbárie tradicional, oferecendo uma saída para este caminho e nos diz exatamente isso: “acho que o fundamentalista que prega a eliminação do outro deve ser tratado como racista, ou seja, deve ser educado e, em segundo caso, não sendo possível a educação deve ser encarcerado, porque não é possível conviver com pessoas que querem me excluir da humanidade”.

O racismo é um problema tanto patológico, como baixa inteligência e falta de caráter, uma combinação das três coisas. O fundamentalismo não precisa ser falta de caráter. Eu ainda acho que pode se educar para a tolerância ativa. O que é tolerância ativa? Não é que eu tolero que você seja presbiteriano e eu católico, eu acho fundamental que exista esta diversidade. E não existiria mundo e o mundo seria um lugar terrível se você não fosse presbiteriano e eu católico. Isso é tolerância ativa! Não é que eu diga assim: “até tolero gay”. Não! É fundamental que existam gays, é fundamental que existam pessoas de diversas etnias, é fundamental que existam diversas opiniões, inclusive contrárias a minha. Essas divergências tornam o mundo um local rico. Quem aceita isso, é civilizado. Quem não aceita isso, é bárbaro. Pode falar dez línguas, continuará sendo um bárbaro.

Ou seja, compartilho da ideia de que um fundamentalista violento, tal como racista, tal como pedófilo, tenham que ser reeducados, por alguma coisa que funcione. E não funcionando ele tem que ser isolado da sociedade. [...] Só os violentos, porque se não for a violência, se apenas disser “na minha concepção você vai para o inferno!”, isso não me afeta. Isso é apenas um problema de debate. Na verdade, o limite da liberdade é o limite de eu poder expressar e a questão da defesa da dignidade e do corpo, em particular. Agora, se alguém acha que eu vou para o inferno por algum motivo, eu também reconheço o direito desta pessoa de me mandar para o inferno. Tal como a frase atribuída a Voltaire: “eu não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei o direito de dizer”. É fácil eu ser tolerante com a ideia parecida com a minha. É difícil eu ser tolerante com a ideia oposta a minha. É o choque entre pólos que não consegue entender que o outro possa estar correto. E as próprias religiões dão uma solução: Primeiro princípio, “não fazer ao outro o que não quer que seja feito a si”. Em segundo lugar, “ter compaixão”, sentir junto e sentindo junto eu penso o que é que perturba o outro”. (Leandro Karnal, historiador, citação adaptada).

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