Uma anarquia fora do anarquismo? A política em Rancière
A noção de política de Rancière é sui generis porque quebra com séculos
de pensamento político, cortando o problema pela raiz.
O que a dita
"filosofia política" fez, durante séculos, foi coincidir política e
administração pública, também coincidindo política e polícia. Ou seja: a
política seria realizada com seu próprio fim.
A igualdade, para
Rancière, diz respeito ao modo como todos possuem capacidade para
falarem por si mesmos e, com isso, transformar as relações entre aquilo
que é visível, pensável e mesmo possível. Dito de outra maneira, a
política quebra, de modo ocorrencial e pontual (acontecimental) com a
partilha do sensível e a reconfigura.
Por isso, a política é rara.
Ela não acontece somente quando se fazem revoluções ou grandes
movimentos. Ela se faz quando um analfabeto aprende a ler usando um
método próprio, sem escola formal. Quando um operário publica poemas no
jornal de sua comunidade, falando de seus sonhos além do mundo do
trabalho. Quando um professor ensina de modo a que seus alunos busquem,
cada um a seu modo, o conhecimento. Quando um artista faz um monumento
que é intraduzível pela crítica ou pelo público, mas que acaba
intervindo no espaço da cidade. Quando um filme abre caminho para pensar
mil coisas, independentemente da intenção do diretor.
Tudo isso é
política, pois tudo isso evidencia um ponto fundamental de seu
pensamento: a da disjunção entre as palavras e as coisas.
rancière |
Ninguém tem "a
razão" sobre o mundo. Não podemos confundir isso, óbvio, com um
relativismo tosco que acha que tudo é uma questão de opinião. O que
Rancière talvez queira dizer é que nossas formas de conceber o mundo são
convenções, aprisionadas em estruturas de mando e de obediência
previamente traçadas por grupos. O que ele trata, em suas pesquisas, tem
sido aqueles momentos em que há linhas de fuga - não movimentos
revolucionários, mas atitudes revolucionárias, acontecimentos,
não continuidades... Rancière, por isso, jamais seria um
estruturalista...
A meta-política, para Rancière, talvez seja aquilo que ele descreve em seu livro Política da Literatura, que estou lendo. Seria a forma que, por exemplo, a literatura se inscreve democraticamente entre as pessoas (cada um pode usar sua interpretação do que lê para mudar o mundo e se libertar do controle do outro), substituindo o papel do orador, que se apropria da fala de todos e fala em lugar deles. Seria a forma de substituir o representante do povo, acabando com a ética greco-romana que está na administração da coisa pública, ou seja: a ideia de que apenas os virtuosos podem falar; os incapazes devem ouvir e obedecer, mesmo que não concordem ou não gostem.
A meta-política, para Rancière, talvez seja aquilo que ele descreve em seu livro Política da Literatura, que estou lendo. Seria a forma que, por exemplo, a literatura se inscreve democraticamente entre as pessoas (cada um pode usar sua interpretação do que lê para mudar o mundo e se libertar do controle do outro), substituindo o papel do orador, que se apropria da fala de todos e fala em lugar deles. Seria a forma de substituir o representante do povo, acabando com a ética greco-romana que está na administração da coisa pública, ou seja: a ideia de que apenas os virtuosos podem falar; os incapazes devem ouvir e obedecer, mesmo que não concordem ou não gostem.
Claro, isso também acabaria com o papel do professor como tem sido até
agora... Mas, será que as pessoas querem isso?
Texto de:
André Voigt (doutor em História e pesquisador dos filósofos da descontinuidade temporal).
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