Discussão sobre "individualismo e revolução"

Pessoal, encontrei uma passagem bastante anárquica no livro de um apologista dos valores presentes da sociedade contemporânea. Ele parte do pressuposto de que o individualismo em vez de nos levar para um distanciamento, ou indiferença à coisa pública, muito pelo contrário, levará a publicização de modo nunca vista. Gostaria de postar no blog, mas esqueci a senha. Segue o texto:
  
Individualismo e Revolução

Em contrapartida, o processo individualista, que anda junto com a redução do desafio entre as pessoas, é acompanhado por um desafio inédito, de um alcance muito mais radical: o da sociedade contra o Estado. É, de fato, no momento em que a relação entre as pessoas "se humaniza" que se abrem a ação e o projeto revolucionário, assim como uma luta aberta entre as classes, que é consciente de si mesma e que tem por missão quebrar a história em dois e ab olir a própria máquina estatal. Processos de civilização e revolução são concomitantes. Nas sociedades holistas, a violência dos homens poupava a definição de seu ser-conjunto; apesar das características sangrentas, os motins e revoltas tradicionais não visavam destruir a arquitetura do todo social.

Ao contrário, nas sociedades individualistas, são os fundamentos da sociedade, o teor intrínseco da lei e do poder que se tornam objetos de debates públicos, alvos da luta dos indivíduos e das classes. Começa a era moderna da violência social, agora transformada em peça constitutiva da dinâmica histórica, instrumento de transformação e de adaptação da sociedade ao Estado. A violência das massas se torna um princípio útil e necessário ao funcionamento, ao crescimento das sociedades modernas, uma vez que as lutas de classes permitiram, indiscutivelmente, que o capitalismo ultrapassasse suas crises e reabsorvesse seu desequilibrio crônico entre produção e consumo.

Impossível compreender o surgimento do fenômeno revolucionário, assim como o de uma luta de classes permanente e institucionalizada, separando-os do seu correlato, a sociedade individualista, tanto em sua organização econômico-social quanto em seus valores. Nas sociedades holistas ou hierárquicas - ou seja, nos sistemas em que os seres particulares, novos em relação ao conjunto social, não tem existência autônoma reconhecida - a ordem social na qual os homens são integrados repousa sobre um fundamento sagrado e, como tal, livre da ação revolucionária.

Para que a revolução se torne uma possibilidade histórica é preciso que os homens sejam atomizados, desvinculados de suas solidariedades tradicionais; é preciso que a relação com as coisas prevaleça sobre a relação entre os seres e que, enfim, predomine uma ideologia do indivíduo que lhe atribua um status nativo de liberdade e igualdade.

A revolução e a luta de classes supõem o universo social e ideológico do individualismo; a partir daó, não há mais organização em si exterior à vontade dos homens, o todo coletivo com sua supremacia, que antes impedia a violência de abalar sua ordem, perde seu princípio de intangibilidade e mais nada, nem mesmo o Estado e a sociedade, escapa da ação transformadora dos homens.

Uma vez que o indivíduo não é mais o meio de uma finalidade exterior, mas, sim, é considerado, e se considera, aquilo que procede de uma transcendência inviolável e se revela em uma heteronímia de natureza, encontra-se, em um prazo maior ou menor, minado por uma ordem social e ideológica cujo centro não é mais o além, mas o próprio indivíduo autônomo.
 

LIPOVETSKY, Gilles. A Era do Vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Barueri-SP: Manole, 2005, p. 183-4."

Embora Lipovetsky cometa alguns deslizes e abstrações sociológicas (acredito muito que por conta do seu "lugar social" de onde escreve), achei bastante inovador as análises presentes na obra "A Era do Vazio" (única que eu li do autor). Ele arrebenta com as análises materialistas marxistas que condicionam a cultura intrinsecamente a economia, não que opere as pesquisas e observações separadas, mas para o autor, até onde pude perceber, não existe uma hierarquia de uma para a outra. Aliás, mais do que isso, não existe uma linearidade de causa e efeito negativa e cerceária de uma para outra. Através desse pensamento analítico é possível ultrapassar, da mesma forma, a dialética hegeliana que fundamenta o materialismo, mais também o holismo onde o espírito da sociedade é maior e mais importante que os indivíduos, suas partes constituintes.

Ele enxerga um caminho positivo para a liberdade dentro, e garantido pelo, capitalismo. De certa maneira cutuca as visões pessimistas adornianas, um outro leitor de Nietzsche. Claro, Lipovetsty não é anarquista, mas achei interessante a ideia do individualismo romper com as amarras da escravidão do estado, que de certa maneira, entra em choque e contraria, a célebre frase de Bakunin: "A liberdade e a individualidade são produtos que serão somente garantidos pela sociabilidade". O individualismo, e até mesmo o capitalismo, deixam de ser inimigos e passam a virar aliados. Contudo, não é qualquer tipo de individualismo, tampouco de capitalismo. Seja dentro da modernidade, da hipermodernidade ou da pós-modernidade, o que importa é que se o modo de produção tem as mesmas bases, o cotidiano e a cultura já não são mais como no século 19.

Apesar dos descuidos do autor, é bom perceber que existe vida além-Marx/Bakunin!

Abraços do capitalismo tardio!

12/02/2011

 
Munís P. Munhoz é formado em história, com especialidade em anarcologia e ciências ocultas.

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