Cristianismo e capitalismo: sobre dignidade e ideias-fixas

Podemos substituir a ideia assim: até onde vamos por nossa dignidade? Não me refiro a dignidade enquanto algo solto no ar ou que emana "desde nosso nascimento", mas a dignidade construída como categoria próxima da moral cristã (e mesmo assim não nela mesma) contudo como gostaríamos que os outros nos vissem (a partir de um padrão de comportamento socialmente estabelecido e por nós aceito sem que não nos déssemos conta). O que digo é que não são poucos que vão até a morte pela dignidade (e outros valores mais). Acho que nos horrorizamos com o que as pessoas fazem pelo dinheiro, apenas por contrariar os outros valores que achamos mais lindos e desinteresseiros (mas será que eles são mesmo?). O dinheiro e apreço por ele vem de uma tradição diferente da raiz cristã, nosso horror por ele, me parece que, vem desse conflito; mas aos poucos vem se adaptando e sofrendo rupturas consideráveis com ela, assim temos a Igreja Católica que, de maneira bem rasa, pregava a pobreza mas se enriquecia, agora temos as doutrinas da "teologia da prosperidade", que não veem nada de mal em se 'enricar', muito pelo contrário, "é um desejo de Deus aos escolhidos". Como também, temos as doutrinas ascéticas cristãs e outras, vida isolada, desprendimento material, dedicação ao "espírito", uma jornada de privações...e tudo isso para quem? Por causa de uma ideia que se acredita ser uma escolha mais acertada. Se se torna escravo dela, como do dinheiro ou de qualquer outra coisa, vai até a morte por ela. Ou pior, se priva de viver por ela. Se priva de viver enquanto sujeito e se torna objeto da ideia. Acho que já ouviu dizer a expressão: "sou instrumento do Senhor (ou de Cristo)", né? Ainda existem cavernas para todo lado!

Cantam aos quatro ventos que o cristianismo já era. Eu não acho. A religião cristã pode estar sim fadada ao fracasso, mas é no fracasso que ela é mais forte...não nos esqueçamos que o cristianismo era uma religião de escravos...e a fraqueza se torna força, "os mais fracos serão exaltados"...um caçador cristão tibubeia na hora de atirar em uma onça que está amamentando um filhote, a ideia de família paira sobre a mente dele. E mesmo que a religião e as igrejas cristãs desapareçam, a herança da moral cristã é algo difícil e bem mais demorado de se apagar. Lembro de uma passagem do Paul Veyne (Quando Nosso Mundo Se Tornou Cristão) onde ele narra o esforço político para o cristianismo passar de seita ao costume, deve ser por isso que ainda temos hábitos pagãos. O capitalismo e a ética "inaugurada" por ele rasgou consideravelmente os valores cristãos. Conviver com os dois é possível? Se as duas ideias fossem uma coisa fixa e indobrável sim seria, mas não são. Por isso que somos meio esquizofrênicos, como mostrou a atitude da srta. Miranda (que vendeu sua virgindade num filme pornô). Ela ficou feliz pela grana e ainda está, mas diz que não queria ter magoado a mãe dela (o peso da família) e nem carregar o repúdio da sociedade pelo que ela fez. O valor que o dinheiro tem é tão forte atualmente que é capaz de enfrentar uma outra tradição cultural bem mais antiga. E por que isso acontece? Ele te dá a ilusão de voltar a viver. Mas isso é só um chute, e dos grandes!

Eu? Com certeza sou muito mais cristão que capitalista. Tenho muito mais medo do que o dinheiro e o "interesse próprio" pode fazer comigo e com outros do que o cristianismo. Até porque o capitalismo não precisou de igreja nenhuma para impor sua ética. A gente entende isso no cotidiano, porque querendo ou não o mercado dá uma ilusão muito maior de autorregulação ("o faça você mesmo"), te deixa pensar que você está no controle e pode fazer do paraíso, ou o reino dos céus, na terra. Agora, socialmente falando, o cristianismo é mais precioso. Bom mesmo é usar os dois e tentar não ser usado por eles.


Pedro Capotte é um student of History mucho loco.

Comentários

Postagens mais visitadas