Alunos-problemas ou Escola-problema?

Eu sempre fui um mal aluno no colégio. Aliás, na escola não existe mal aluno, existe mau aluno. Maus alunos aprendem a ser crucificados desde pequenos. Há 20 anos atrás, lembro-me de um 2,0 que tirei numa avaliação do "C.A." no Colégio Franco Brasileiro. Foi, disparada, a menor nota da turma. Talvez eu tenha nascido ali, no momento em que fiz questão de olhar àquela nota ridícula e encará-la profundamente. Fixei meus olhos na nota e me perguntei o quê aquela prova provava de fato? Eu ainda faria mais algumas centenas de vezes a mesma pergunta para algumas centenas de provas "mal sucedidas".

O colégio é uma empresa. E uma empresa existe para "solucionar um problema". Basicamente, a necessidade de existir colégios surgiu na medida em que os pais passaram a não ter tempo de ensinar os filhos. Daí, o colégio contrata um professor para ensinar em larga escala. Mas como assim "ensinar em larga escala"? Quando se coloca 1 professor para dar aula a 30 crianças, parte-se da premissa de que todos os alunos estão na mesma condição de aprendizado. O que é, indiscutivelmente, um equívoco. O colégio reduz 30 crianças a 1. Claro que dará algo errado. Ou seja, o erro da escola se esconde em sua própria virtude. É risível e trágico: o terreno em que a escola se constrói é absurdamente leviano. Não estou aqui querendo sugerir soluções ao sistema educacional. Eu sei que isso não vai mudar. Escrevo isso como um desabafo, uma homenagem aos maus alunos e, de quebra, para justificar minhas centenas de notas baixas.

Matematicamente, numa turma escolar, 1 aluno sempre se dará bem e receberá os mais variados elogios. E 1 outro sempre se dará mal e terá que sustentar sua auto-estima sozinho, borbardeado - mesmo que sutilmente - com os rótulos "fraco", "desatento", "avoado", "desinteressado". E esse é o pior bullying que uma criança pode sofrer. O bullying da própria escola. O bullying invisível. Essa violência moral silenciosa travestida de verdade absoluta, que asfixa e tortura a inteligência da criança. Anna Freud, a última filha de Freud, certa vez escreveu: "Mentes criativas são conhecidas por sobreviverem a qualquer tipo de mau aprendizado". Eu não tenho a menor pretensão de mudar o sistema educacional ou sugerir alguma solução. Eu sei que não há solução. Essa é uma causa perdida. Não há modelo ideal de ensino. Eu aceito isso. Pretendo aqui expor um novo ângulo. Uma nova fotografia da nossa realidade. Registrar as entranhas dessa Educação pela perspectiva de (mais) um mau aluno e potencializar o orgulho das crianças rebeldes.

Gostaria de deixar bem claro que as escolas lidam com crianças e crianças não sabem o que estão fazendo na escola (nem o aluno que tirou 10 na prova sabe). É natural que, entre 30 crianças, 1 delas não se interesse pela aula. O desinteresse é autêntico. Certamente (e ainda bem), pelo menos 1 criança não será atraída por aquilo que está sendo dito em aula. Ao invés de prestar atenção em algo "inútil" para ela, a criança "desatenta" prefere prestar atenção no seu próprio mundo. Isto faz sentido. Quem a escola chama de "fraco" possivelmente é quem possui mais fibra intelecual para rejeitar a opressão travesti do ambiente de aula. Isto se chama personalidade. Não quero sugerir o "fim" da escola (a perfeição não existe), estou apenas propondo uma nova forma de enxergarmos esses "maus alunos", em defesa da minha própria classe. Proponho aqui um construtivo giro de 180º em nosso olhar paralítico.

Tratando-se de crianças, o termo "desatenção" não se aplica. Não há criança "desatenta", há criança com a atenção voltada àquilo que lhe apetece. É muito fácil dizer que uma criança é "desatenta", quando na verdade ela está atenta justamente àquilo que o professor invariavelmente não enxerga. É confortável chamar o mau aluno de "avoado", difícil é conseguir ser interessante o suficiente para conquistá-lo. Uma nota baixa numa prova, portanto, muitas vezes prova que este "mau aluno" não está condicionado a engolir qualquer sentido goela abaixo. Prova também o poder de sua busca por sentidos mais consistentes. Ao passo que o "bom aluno" na maioria das vezes prova, com sua nota 10, que está 100% submetido àquilo que lhe é imposto. Sinceramente, qual desses tipos de aluno pode oferecer saídas criativas para um mundo melhor? Francamente, aonde está a personalidade e a inteligência de uma criança que simplesmente acata tudo que a escola lhe propõe? Em qual lata de lixo largamos a razão quando ficamos felizes com o fato de o nosso filho tirar 10 numa matéria em que ele ainda - definitivamente - não tem capacidade de compreender a importância? Eu gostaria de tirar os holofotes das crianças "responsáveis" e adestradas e apontar as luzes para as crianças desobedientes e saudáveis.
 
Texto de Felipe Ret (via facebook).

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